17 de junio de 2011

Companheiras - Parte 2


Já era sexta-feira, fim de expediente, ao bar! Era momento de engolir a angústia com um bom drink. O grilo falante da consciência, através de uma lucidez alcoólica, lhe mostrava a que ponto havia chegado a desgraça de um homem, a sua desgraça. E após esvaziar mais um copo, mirou-se nele, viu seu reflexo naquele vidro embaçado.
A noite, com ares de boemia, parecia cantar para ele: “Desilusão, desilusão, danço eu, dança você na dança da solidão...”. Enquanto ele ainda filosofava mais alguns minutos com o copo vazio e a sua triste sina. Aparentemente conformado, pagou a conta e zigzagueou  até o apartamento. Entrou cambaleando, com mais vontade que fragilidade física para cair, estar junto à sujeira que se acumulava no chão era o seu desejo e tendo entregado seu corpo, adormecera reduzido à pequenez dos germes.
O sol despontava lá fora, mas o apartamento não se contagiava com a luz, era no máximo penumbra... Um homem caído ao chão, acordava com a roupa amarrotada e os pés calçados tal como chegara na noite anterior. Olhou ao redor, os móveis o observavam de cima, o porta-retrato com a foto de formatura parecia condená-lo, com aquela mão estendida para frente em juramento. Não tinha coragem de levantar-se ante o olhar do garoto de bata preta no retrato. Seriam a mesma pessoa? 
A cabeça parecia ter dobrado de tamanho, certas figuras lhe rondavam a mente: a da mãe que não conhecera e a da ex-esposa que ele havia enxotado de casa. “Quem disse que a mulher é sagrada?” Perguntaria se alguém estivesse ali... Era, principalmente, por causa delas que se achava jogado no piso da sala, inerte. Se ele fosse uma delas teria quebrado a louça, teria chorado ou feito qualquer cena dramática em público, depois apareceria diabolicamente maquiada, sobre os saltos, como se nada tivesse acontecido. Mas ele tivera esse destino, o de silenciar a própria desgraça, qualquer demonstração de fraqueza seria a gota d’água.
De repente, começava a ter fúria, a fúria que o fazia levantar e entrar no quarto ameaçadoramente. Lá estava ela, tão sua, tão quieta, seria capaz de odiá-la algum dia? Só sabia que aquela ira existencial lhe dava mais vontade de possuí-la, ela não era imagem para adoração, era para ser tocada e maculada, segundo a vontade dele... Sim, ele a domesticara para isso, ela estava ali por esse motivo, começou dando-lhe tapas na cara, ela gostava, continuava feliz ali sentindo o peso do corpo dele e estremecendo a cada bofetada recebida. Ele cada vez mais feroz, socava o seu ódio dentro dela, agarrou-a pelo pescoço apertando-o, mas ela continuava sem reação... 
Dessa vez o prazer pedia o extremo, mais do que tudo que já tinha feito, qualquer sinal de razão havia desaparecido da sua face, a libido e o desejo de matar se confundiam. Ela não cedia às suas tentativas de enforcamento, o que lhe dava mais ódio, ela dava trabalho pra morrer, feito um joão-teimoso quando alguém tenta derrubá-lo. O homem levantou-se, pegou a tesoura na gaveta e deu-lhe uma estocada certeira no ventre. Nesse momento, ele entrou em erupção, derramando sobre o corpo estendido na cama a lava esbranquiçada. Ela simplesmente ria o seu riso já flácido de boneca inocente.

2 comentarios:

  1. Eu não me impressiono com tamanha destreza na escrita da senhora... Não mais, pois eu sei que essa mente aí é arretada e nos prende. Sabe o que é mais impressionante, ivanita... é que esse matuto já conhecia esse conto em outra roupagem e até já lembrava do desfecho, mas eu duvido eu querer parar de lê-lo...

    Ficou magnífico, agora que você modelou ele, e a surpresa que você objetivava, agora tá perfeita...

    Parabéns...

    Ainda quero estar fazendo parte de uma coletânea de contos com seus textos, para os meus terem pelo menos uma faisquinha de sucesso pela sua escrita...
    Chêro, amiga...

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  2. Rubinho, que bom que vc gostou, sinto-me lisonjeada já que quem tá dizendo é um escritor de categoria.
    Também quero concretizar nosso projeto de formar uma coletânea, mas vem cá, que humildade toda é essa??? - Faisquinha de sucesso pela minha escrita? - ai ai, quem não te conhece que te compre, Dr. Rubervânio. Você tem luz própria e é potente! Se avexe não que a gente vai botar pra frente nosso plano. Um abraço de quebrar os ossos.

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