13 de noviembre de 2015

Crônica: A Celebridade


Tinha-se armado tremenda agitação ao redor de não-sei-o-que-lá ... Tentei não bancar o curioso e passar direto para casa. Devia ser algum bicho morto - o ser humano tem necessidade de carnificina –  teria opinado o meu pai, um ateu convicto, descrente até da própria raça humana. Mas tudo bem, sou um simples mortal e daí?  Fui ver o que era que tinha provocado alvoroço.
                Era flash daqui, postagem nas redes sociais dali, cada um portando o seu smartphone, iphone. Me aproximei tentando encontrar espaço para ver o que provocava tamanha confusão no jardim do condomínio. As crianças gritavam extasiadas. Uma senhora disse muito emocionada: Fazia muitos anos que não via um desses! E saiu com olhar nostálgico dando a mão ao netinho. E eu continuava tentando ver a “coisa”, que teria acreditado ser um alienígena, não fosse o comentário da avozinha que passara por mim.
                Fui pedindo licença e cheguei no centro da roda, para minha surpresa  e do caro leitor, pasme! Era um sapo! Um sapo de cor fluorescente, olhos exóticos desses que aparecem na National Geographic? Que nada!... Um sapo comum e corrente desses que nos assustam quando pulam perto dos nossos pés! Nada que, ao olhos acostumados, merecesse tuitagens e fotos em instagram e facebook. Um sapo, minha gente! Há bicho mais desengonçado, mas insigne que um sapo? Ora bolas! Era como fotografar um pardal. Pensei com meus botões...
                Fiquei ali mais para observar a reação das pessoas que para ver o anfíbio... e os flashs não paravam. Eu, surpreso! Mas como pode!? Nessa hora fiz uma viagem no tempo e no espaço, voltei à casa da bisa... Aquela casa simples com roseiras de rosas brancas e sapos no quintal. Sapo ali não causava nenhuma comoção. Era cada sapo cururu de dar medo!  A bisa avisava: Não deixa a porta aberta ou vai entrar sapo. Ninguém era besta de desobedecer. Rezava a lenda que se um sapo daquele cismasse com quem mexeu com ele, fazia um xixi ninja que ia direto pro olho e a vítima ficaria cega na horinha!
                Na rua, os moleques não perdoavam: Era sal, pedra, estilingue e outras formas de torturar o pobre sapo. O incômodo sapo, o insigne sapo, o inútil sapo!
                Agora todos os holofotes para a nossa celebridade: O senhor Sapo. Comecei a perceber pelos comentários que aquelas crianças acompanhadas de suas mães e avó jamais tinham visto um sapo ao vivo. Era uma figura dos contos de Andersen e Grimm, um bicho quase mitológico. Quem imaginaria! Aquele assombro todo não era à toa. Por pouco não ficaram sem infância...
Dizem que eles entraram em extinção, comentou uma senhora. Outro culpou o buraco na camada de ozônio... Outra falou que se usam os animais para fazer bolsas e sapatos (Existem bolsas de couro de sapo? Não sabia!). A conversa se prolongou sobre uma possível extinção dos sapos. Até que sem ter estatísticas e nenhum dado fornecido pela mídia, a conversa morreu ali... Cada um já tinha tirado sua foto, era hora de retornar aos afazeres domésticos e deixar a celebridade, o senhor Sapo, tirar sua soneca de primavera.
Cada vizinho foi se despedindo e saindo aos poucos. Um disse que precisava ir ao supermercado comprar um spray, os mosquitos não o deixavam dormir, outra senhora se queixou das malditas mariposinhas que entravam no guarda-roupa. São uma praga! – Disse chateada. E cada um marchou em combate.
O sapo, após posar para tantas fotos, dormia tranquilo sobre os louros da glória!


Ivana Oliveira, Montevidéu, 02/11/15.