29 de junio de 2018

Os orvalhos não beijam flores de plásticos!
E acaso as manhãs pousam verdades na retina?
Verdades, verdades… Escolha ou sina?

A força motriz de toda opressão,
O embrião audaz de toda guerra.
Um menino na sinaleira tentando ganhar o pão,
Enquanto os vidros dos automóveis se cerram.

“Paz pela paz” – dizem as camisas das caminhadas.
E eu fico com a clareza do latim que gastam as funerárias,
Que com a pomba branca solta na hora esperada!

Acaso não ouviram o crepitar dos que duvidam?
O estalar de açoites em corpos sequestrados?
o desencanto nos campos de concentração?
a destruição atômica dos sonhos?

A vida plástica, metálica, tecnológica…
Recobre os escombros do que restamos.
As nossas cabeças? Essas deixamos aos pombos!

Ivana, “pseudoinverno” de 2018.

24 de agosto de 2017

Mar Grande

aos dezoito que fizeram a travessia

Esta que arrasta seus dias pelo deserto
Sabe o quão doce se morre no mar
E nessas águas, filhas de outras águas
Onde Caronte nunca pôde cruzar.

Desde a Baía de Todos os prantos
Onde os sonhos vivem a naufragar
As ondas verdes que são dela o manto
Acalantam os filhos no seio de Iemanjá.


Ivana, 24 de agosto de 2017.

13 de noviembre de 2015

Crônica: A Celebridade


Tinha-se armado tremenda agitação ao redor de não-sei-o-que-lá ... Tentei não bancar o curioso e passar direto para casa. Devia ser algum bicho morto - o ser humano tem necessidade de carnificina –  teria opinado o meu pai, um ateu convicto, descrente até da própria raça humana. Mas tudo bem, sou um simples mortal e daí?  Fui ver o que era que tinha provocado alvoroço.
                Era flash daqui, postagem nas redes sociais dali, cada um portando o seu smartphone, iphone. Me aproximei tentando encontrar espaço para ver o que provocava tamanha confusão no jardim do condomínio. As crianças gritavam extasiadas. Uma senhora disse muito emocionada: Fazia muitos anos que não via um desses! E saiu com olhar nostálgico dando a mão ao netinho. E eu continuava tentando ver a “coisa”, que teria acreditado ser um alienígena, não fosse o comentário da avozinha que passara por mim.
                Fui pedindo licença e cheguei no centro da roda, para minha surpresa  e do caro leitor, pasme! Era um sapo! Um sapo de cor fluorescente, olhos exóticos desses que aparecem na National Geographic? Que nada!... Um sapo comum e corrente desses que nos assustam quando pulam perto dos nossos pés! Nada que, ao olhos acostumados, merecesse tuitagens e fotos em instagram e facebook. Um sapo, minha gente! Há bicho mais desengonçado, mas insigne que um sapo? Ora bolas! Era como fotografar um pardal. Pensei com meus botões...
                Fiquei ali mais para observar a reação das pessoas que para ver o anfíbio... e os flashs não paravam. Eu, surpreso! Mas como pode!? Nessa hora fiz uma viagem no tempo e no espaço, voltei à casa da bisa... Aquela casa simples com roseiras de rosas brancas e sapos no quintal. Sapo ali não causava nenhuma comoção. Era cada sapo cururu de dar medo!  A bisa avisava: Não deixa a porta aberta ou vai entrar sapo. Ninguém era besta de desobedecer. Rezava a lenda que se um sapo daquele cismasse com quem mexeu com ele, fazia um xixi ninja que ia direto pro olho e a vítima ficaria cega na horinha!
                Na rua, os moleques não perdoavam: Era sal, pedra, estilingue e outras formas de torturar o pobre sapo. O incômodo sapo, o insigne sapo, o inútil sapo!
                Agora todos os holofotes para a nossa celebridade: O senhor Sapo. Comecei a perceber pelos comentários que aquelas crianças acompanhadas de suas mães e avó jamais tinham visto um sapo ao vivo. Era uma figura dos contos de Andersen e Grimm, um bicho quase mitológico. Quem imaginaria! Aquele assombro todo não era à toa. Por pouco não ficaram sem infância...
Dizem que eles entraram em extinção, comentou uma senhora. Outro culpou o buraco na camada de ozônio... Outra falou que se usam os animais para fazer bolsas e sapatos (Existem bolsas de couro de sapo? Não sabia!). A conversa se prolongou sobre uma possível extinção dos sapos. Até que sem ter estatísticas e nenhum dado fornecido pela mídia, a conversa morreu ali... Cada um já tinha tirado sua foto, era hora de retornar aos afazeres domésticos e deixar a celebridade, o senhor Sapo, tirar sua soneca de primavera.
Cada vizinho foi se despedindo e saindo aos poucos. Um disse que precisava ir ao supermercado comprar um spray, os mosquitos não o deixavam dormir, outra senhora se queixou das malditas mariposinhas que entravam no guarda-roupa. São uma praga! – Disse chateada. E cada um marchou em combate.
O sapo, após posar para tantas fotos, dormia tranquilo sobre os louros da glória!


Ivana Oliveira, Montevidéu, 02/11/15.

4 de septiembre de 2015

A Alan Kurdi (in memoriam)

Há um anjo sobre a areia...
Desta vez, não  caiu por descuido de Deus!
Anjo que viveu na terra entre feras,
Que nem a inocência da tenra idade protegeu!


Há um anjo morto na praia...
Os olhos do Céus se desesperam...
Quão covarde e ingrata Terra!
Quantas promessas secas e vãs
Palavras que a maré traz e leva!


Há um anjo sem asas na praia...
Que sonhos lindos embalaram as ondas!
Oh, que vida inocente encurtou o medo humano!
Um mar cinza beija a face serena...
Enquanto uma sombra hostil marcha entre os homens!


Ivana Oliveira, Montevidéu, Inverno de 2015.

28 de agosto de 2013



O feriado não justifica o ócio
O ócio não justifica o ébrio
O ébrio não justifica o sábio
O sábio não justifica o caos
O caos não justifica o tempo
O tempo não justifica a pressa
A pressa não justifica o gozo
O gozo não justifica o Fim.

Último devaneio



O sol desfalece no meu quintal
Pequeno pedaço de mundo
Onde enlutada, contemplo
As horas –kamikazes
E escavo os fósseis da felicidade
Felicidade das xícaras na mesa
Do beijo de boa noite
E o acordar com a luz
Deste que agora se vai
A vida que me soprava o alento
Me fala pouco do que fui
Existi e pronto
Fui um ponto
Um fim em mim
Um começo de nada
A nata que bóia e incomoda
O suspiro de alívio
Um  tom pastel
Imperceptível
Mas acaba o devaneio
De mim
Avisto-me num último raio
Luz-ir.           

Ivana Oliveira, inverno/inferno de 2013.

Fênix



Dos sonhos, subtraído...
Me recolho na agonia do silêncio
No suicídio das horas
Do turbilhão de incertezas
E devaneios...
Surto!
Subjugo-me
Sucumbo ao chão
Devoro-me as entranhas
do ser...
Demoro-me
na languidez
Das cinzas
E em um instante...
Me encontro
Refeito...


Deixa que eu entardeça
Que eu anoiteça
Não me prive
Vem e me prove
Não posso ser manhã a vida inteira
A estrada é longa, mas passageira
E a frescura  da manhã se escapa pela pele
Desfruta da calidez do meu corpo entardecido... e lasso
E quando eu me anoiteça
Cala a minha boca com teu beijo
Me embala em teus cabelos
E assista o último suspiro...




Ivana Oliveira, qualquer dia sem razão de 2013.

Sobre ler poesia

Ler poesia é ler além do espinho, a rosa;
É ler a lama malcheirosa;
É ler estrelas nos olhos de uma criança;
Ler o mar filosofando sobre a vida;
É ler o rio no  fluir de sua dança;
É ler a formiga na sua lida;
É ler o vento anunciando o porvir;
Ler o céu e suas nuances de cor;
É ler o abismo e a montanha;
É ler a rocha e a relva;
É ler a luz e a treva;
E ainda a penumbra;
É ler com olhos fechados...
A ausência,
O silêncio.

Ivana, em algum dia louco de 2012.

12 de enero de 2013

Sina poética

Sabotar a gramática,

violar o verbo.
Nos canteiros de Cecília,
Viver e entender
a sua tristeza.
Enfrentando a lucidez perigosa
que disse Clarice,
na clareza d’alma.
Uma mulher, uma amante, uma diva,
um divã constante.


Ivana Oliveira, 12/01/2013.

10 de enero de 2013

O pescador jogou a sua rede, pescou poucos crédulos.
O mundo não está para peixes, muito menos para patos.
Uma sereia tinha caído na sua  rede, mas deu falha na conexão.

Presentes de Natal

No abrir dos presentes , a mãe recebe uma bíblia eletrônica,  a criança, uma boneca que reza o Pai Nosso.  – É, Drummond estava certo em sua profecia: A máquina orará por nós!

9 de enero de 2013

No dia em que o elefante branco e a ovelha negra saíram juntos para passear não restou pedra sobre pedra.

Ivana, 09/01/2013.
Demoliram seu castelinho de areia, primeira frustração daquele engenheiro.

Ivana Oliveira, 09/01/2013.
Não era por impulso, tinha tudo planejado, pensado em todas as formas, até concluir que a força da gravidade a levaria sem dor. De lá de cima um pensamento a fez desistir: Não veria os comentários nas redes sociais no dia seguinte.

Ivana, 09/01/2013

2 de enero de 2013


Soneto do semeador

 

                               ¿Y si una semilla descubre que es la página de un libro? (Rodrigo Leal)

 

Sai um semeador  a semear,

Uma semente cai à beira do caminho,

Sem notá-la,  passam os pés a pisar

E finda ali no bico dos  passarinhos.

 

Umas entre pedras vieram  dar,

Mas faltam  raízes, mirra-se  o destino.

Outras  se precipitam sobre espinhos

Que, impiedosos,  as fazem sufocar!

 

Algumas sementes lançadas, a contento,

Em boa terra, germinam à luz que clareia,

Se fazem  frutos multiplicados ao tempo.

 

Assim faz este poeta  quando semeia,

Solta o  seu poema à sorte  do vento

E quem tiver desejos que o leia!

 

 

Ivana Oliveira, 25/12/2012